domingo, 21 de julho de 2013

DÉCIMO SÉTIMO EXERCÍCIO (sétima semana)

Retrato de personagem; interacção; apenas os pensamentos das personagens (divertido).

Gisela, de 25 anos, editora. Insegura, desajeitada, sempre envolvida numa personagem que afasta os olhos alheios do seu verdadeiro ser. Anseia aceitação na editora, mas tem receio de avançar na carreira e de não dar conta do recado. Tem uns maravilhosos olhos azuis que passam despercebidos por detrás dos óculos que a protegem do astigmatismo. Os cabelos escuros são longos e não variam além do rabo-de-cavalo preso na nuca e do solto. Calça um sapato de salto pela primeira vez na vida: quer começar a sentir-se mulher. Mas o seu andar é desajeitado.

Momento de viragem - Passa no corredor no momento em que o Tadeu - jovem das limpezas -, encera o chão de soalho de madeira. Ele agrada-lhe, mas ela não conhece o mundo das conquistas. Os olhos negros de Tadeu derretem-na. E hoje de saltos, caminha insegura.

Gisela Bolas! Caramba! Não podias estar a encerar uma das salas?! Como é que eu passo aí a fazer esta figura? Já me doí a barriga das pernas!
Tadeu É pá! Saltinho alto hoje. Está mais desengonçada que uma vara ao vento. A miúda é engraçada. Quer tornar-se mulher, é o que é! Até era capaz de lhe dar uma ajuda…
Gisela Respira fundo que estás quase a passar por ele. Vá! Equilíbrio! Só mais um pouco e entras na tua sala. Ficas safa!
Tadeu Vou-me meter com ela. Vai ser giro! Vai ficar toda atrapalhada!
Gisela Por favor! Ó meu Deus! Tira lá a raça da máquina do caminho. Ainda tropeço nessa porcaria. Raios!
Tadeu Ó que desajeitada. Agora tenho que ajudá-la a levantar-se do chão. Só me apetece rir! Contem-te. Não tem graça nenhuma pores-te a rir na cara da miúda.
Gisela Ó Santo Deus! Porventura achará que não me consigo levantar do chão sozinha. Tira-me lá as mãos das ancas. Consigo equilibrar-me! Deixei cair a porra dos óculos. Onde é que estarão? Ele está a apanhá-los. Aí se este diabo conta a alguém! Deixa-me lá pôr direita. Dá cá mas é os óculos. Não estou para delicadezas. Ai os olhos deste sacana. Parecem mel!
Tadeu Eh! Selvagem! Mal agradecida! Espera lá... Está bonito! Agora arrepio-me todo a olhar-lhe para os olhos. Nunca lhos tinha visto bem… Que azul, mano! Parecem o céu...
Gisela Tenho que ser eu a afastar-me?! Vá Gisela dos Santos! Entra na sala! Diabo da porta que não abre à primeira. Vá! Agora fecha a porta! Respira fundo!


quinta-feira, 18 de julho de 2013

DÉCIMO SEXTO EXERCÍCIO (sétima semana)

Nomes, anagramas, textos...

Inês Catita Efigénia

Gini! Senta-te e fica aí!

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Texto (50 palavras)


"Diabo da cadela! Não obedece!"

As tentativas amontoavam, e o desespero acumulava, transbordando no olhar entontecido da dona. Todos olhavam, uns divertidos com a indisciplina, outros tendentes a recriminar a veemência, ininterruptamente imposta na mesma ordem.

- Gini! Senta-te e fica aí!

Mas nada! Mal Dora virou costas, a Gini seguiu.


quinta-feira, 4 de julho de 2013

DÉCIMO QUINTO EXERCÍCIO (sexta semana)

Descrição do espaço... Obedecendo as devidas directrizes.





Madalena Fernandes, uma jornalista dedicada ao mundo intenso das artes, tinha agora em mãos umas das entrevistas mais esperadas da sua carreira. Segurava com força a sua mala de trabalho, onde canetas, lápis, blocos e gravador se misturavam, oferecendo companhia uns aos outros nos momentos de descanso.

Subiu as escadas, a excitação a toldar-lhe o raciocínio. Era tão raro a Sofia Boaventura dar entrevistas. Agora então, a idade avançada, as limitações impostas por esta... Tinha que dar o seu melhor e tornar aquela sessão numa simplificada tertúlia da vida de uma senhora brilhante.

Uma governante mostrou-lhe a sala onde deveria esperar, indicando-lhe um dos dois cadeirões de veludo vermelho dispostos em frente à lareira, onde o leve crepitar da lenha se destacava levemente, intensificando a frágil luz difundida pelas portadas entreabertas das duas enormes janelas da ampla sala. Sentou-se.

- Posso oferecer-lhe alguma coisa: um café, um chá, um refresco?
- Um copo com água fresca, por favor...

A governanta anuiu silenciosamente, atribuindo um sorriso dedicado. Saiu da sala, fechando a porta atrás de si, e deixando a Madalena só, entregue àquelas manifestações de uma superioridade delicada e única.

Deteve o olhar sobre o piano de cauda negro, e imaginou-o, silenciosamente, a vibrar as infinitas melodias nele reproduzidas. Levantou-se, movida pelo desejo de lhe tocar. Tocar-lhe trazer-lhe-ia certamente alguma ideia das suas vivências. Sentou-se sobre o banco, tocando timidamente nas teclas, ora nas brancas, ora nas negras, de olhos fechados, adivinhando cada som, sentido as vibrações percorrer a sala e quem nela algum dia se sentara para ouvir a Sofia tocar, embriagados de paixão pelo deslizar incomparável daqueles leves e brilhantes dedos. As pautas... Pegou numa peça de Bach, concerto para piano e ergueu-se tendo reconhecido as notas, maestrando a orquestra imaginária, enquanto o seu cérebro entoava a obra.

O seu calcanhar tocou em algo, causando um leve som de queda. Largou as pautas, depondo-as no seu lugar original e virou-se, encontrando três telas a óleo inacabadas, que haviam deslizado com o toque do seu pé. Ajeitou-se, lembrando-se de onde estava, repentinamente nervosa com a perspectiva de alguém a encontrar a tocar no que não era seu para tocar. Mas a tela no cavalete - essa sim, acabada - fez com que se detivesse novamente a observar o rosto retratado. Era um rosto jovem, extremamente feminino, de longos cachos de caracóis cor de ébano e de olhar perdido sobre o dourado campo de trigo que transmitia a ideia de movimento ao ritmo de uma leve brisa misturada com os leves sons daquela casta sala.

Retomou a sua caminhada pela sala, apinhada de pequenas valiosas coisas. As pequenas caixas de porcelana - provavelmente uma qualquer colecção - eram possivelmente oriundos de todos os cantos do mundo. De cores e formas diferentes, pegou em algumas, sentindo as texturas, umas ásperas, outras lisas, umas com finas imagens pintadas à mão, outras de uma cor lisa, outras com maravilhosos relevos. Não ousou abrir nenhuma, consciente do seu atrevimento em simplesmente tocar-lhes. Havia outros objectos, pequenas estatuetas, outras maiores, jarros, jarrinhos e jarrões, e o imenso leque de cores daquela sala principiou a deixá-la tonta de emoção, tal era a variedade de sons e imagens que imaginava, as viagens de que haviam resultado, as histórias que escondiam. 

Numa mesa redonda, deteve-se a observar as molduras de rostos desconhecidos: seguramente família e amigos. Pegou numa em que reconheceu a jovem Sofia, sentada sobre um banco de jardim, envolvida pelo abraço caloroso de um homem, também ele jovem, enquanto três crianças aparentemente agitadas pareciam debater-se por um lugar ao colo de ambos, todos com imensos e felizes sorrisos. Pousou novamente o retrato, invadida por uma alegria contagiante.

Caminhou na direcção das estantes. Deteve-se a contemplar as lombadas dos livros, engolindo cada título, cada autor: Milan Kundera, "A Insustentável Leveza do Ser", "A Vida Está Noutro Lugar", "O Livro do Riso e do Esquecimento", Tolstói, "Guerra e Paz", "Anna Karenina", "A Morte de Ivan Llitch", Charlotte Brontë, "A Paixão de Jane Eyre", Emily Brontë, "O Monte dos Vendavais", uma infinita panóplia de autores e romances que fizeram com que o pensamento de Madalena viajassa de encontro às grandes histórias de séculos passados, de tempos vividos em outras condições físicas, de acordo com outras vontades, desejos, objectivos. Pegou no exemplar de "As Brumas de Avalon - A Senhora da Magia", de Marion Zimmer Bradley, e abriu na primeira página, em branco, encontrando uma singela dedicatória, ardente de admiração pela actual dona daquele livro:

"Para a minha adorada companheira, Sofia, a verdadeira feiticeira de todos os meus sentidos, ao cabo de quarenta anos de união, no Amor e na Alegria. Amo-te!"

A porta abriu-se. Fechou repentinamente o livro e virou-se.

Óleo sobre tela
Escrevendo, Daniel F. Gerhartz

segunda-feira, 1 de julho de 2013

DÉCIMO QUARTO EXERCÍCIO (sexta semana)

Primeiro exercício relacionado com poesia. Este é um verdadeiro desafio. Um pouco à toa. Não me dou de pretensões a poeta... 

Obedece, este exercício, a um esquema, não transcrito. As minhas palavras terão que estar em acordo com as de um(a) poeta(poetiza) que escolho. Uns versos são meus, outros tirados das minhas escolhas. Assim me é pedido.

Escolhi Sophia (Sophia de Mello Breyner Andresen), porque a Sophia me enaltece, me dá voz, me faz mediatar, e querer ir além.

Perdido o meu olhar na distância difusa
O meu interior é uma atenção voltada para fora,
Num suspiro de desejo agoirado.
E a luz que nos rodeia é como grades
Que leva o pensamento insano, numa jornada
Com uma tão simples claridade sobre a testa.
Perde-se a vontade do real
E de mim se desprende a minha vida.



Poemas consultados:
"Hora da Partida"
"Retrato de Uma Princesa Desconhecida"
"Exílio"
"Poema"